Os biscoitos de polvilho fritos
PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto
Por Graziela Azevedo
Os biscoitos de polvilho fritos eram perfeitos em tudo. No sabor com toque de banha de porco, no formato, na crocancia por fora com o macio de dentro. E tudo mais que saia das mãos da Tia Dercy era perfeito. Se alguma de nós, as sobrinhas que a alugávamos nas longas férias em Minas, tinha tosse de madrugada lá vinha ela com uma xícara de chá do quintal ou de café com uma colherada de manteiga. Se a dor era na barriga uma massagem. Se o problema era carência um cafuné. Se o caso era de rebeldia com descumprimento do horário de voltar dos bailes a coisa complicava um pouco mais. Não adiantava tirar as sandálias no alpendre e entrar de fininho. Ato contínuo a luz da sala seria acessa porque ela estaria lá olhando muito séria. Um olhar que bastava.
Nos ensinou os principais pontos do bordado, a pintar camisetas e panos de prato. Amava seus vasos de samambaias e avencas, suas vizinhas e companheiras de carteado. Tinha um sorriso para cada encontro e uma doçura que será lembrada por todos que tiveram a sorte de conviver com ela. Para o marido, o tio Ramon, foi a companheira de uma vida. Os dois tinham no mercado de Araxá uma loja que vendia de vara de pescar a caderno. Expedita ela deixava o marido dormir um pouco mais e corria cedo para abrir o comércio. Voltava correndo pra fazer o almoço e já logo estava na loja pra que o marido pudesse dormir uma cesta. O fechamento ficava com ele. Assim como a irmã Isabel tinha uma discrição que contrastava com o jeito do restante da família um tanto barulhenta e dramática. Tia Dercy tinha horror a gritarias e escândalos. Viveu com muita reserva suas alegrias, angústias, dores e sofrimentos. Seu exagero foi direcionado ao cuidado extremo com os filhos que amava demais. Criou Clodyr e Valéria no velho modelo da rédea curta, traçando os quadrados do que achava melhor e mais seguro.
Já ia longe o tempo dos conflitos de gerações quando os dois tiveram prazo largo pra fazer o melhor por ela e pra ela. Minha mãe, a mais nova das irmãs, foi a primeira a partir pro andar de cima no ano passado. E, me desculpem os céticos, mas vejam o que aconteceu: minha mãe era famosa por sempre levar flores compradas ou roubadas de jardins quando visitava alguém. Ontem o namorado/viúvo dela do nada resolveu comprar flores e levar pra minha tia que há dois anos já não se levantava mais da cama. Chegou a tempo de botar a mão na testa da tia Dercy que estava saindo de maca de casa para o hospital.
Ela morreu hoje, pouco depois. Alguns gostam de imaginar e outros de nós temos certeza de que minha mãe deu seu jeito de dizer pra irmã que ela podia descansar de tudo pra se juntar a ela. Ficamos nós aqui com a saudade dessas mães e dessas tias que foram maravilhosas.
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