Skip to main content

O luto pelo filho idealizado

By 17 de abril de 2023maio 17th, 2023ACOLHIMENTO

O luto pelo filho idealizado

PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto

Foto: pexels

“Ser diferente pode ser uma dádiva”

por Sandra Evangelista

Os pais, ao imaginarem como será o filho, fazem planos para a criança que se desenvolve em um ritmo pré-definido: um mundo de descobertas e brincadeiras. Ao se depararem com a realidade do filho com deficiência, marcam um encontro com a morte das expectativas. Perde-se alguém, o filho idealizado.

O diagnóstico traz o mal-estar na família, como se muros fossem erguidos entre os integrantes, principalmente entre o casal. As emoções e os sentimentos presentes no processo, como a raiva, a culpa e a tristeza, estarão acompanhadas do senso de injustiça, medo e impotência.

Em um primeiro momento há a resistência, o casal irá precisar de tempo para que seja possível elaborar o luto da idealização, para que as expectativas sejam compatíveis com a criança com deficiência. Os pais são tomados por um sentimento de fracasso diante de uma sociedade que valoriza o alto rendimento e a funcionalidade. Há ainda a culpa por não terem sido capazes de gerar um filho saudável; é como um barulho ensurdecedor e desnorteador. O futuro fica comprometido, porque entra em conflito com o ideal de sucesso, tão cristalizado em nossa sociedade, que pode ser traduzido por exaustivas horas de trabalho, dinheiro, status e compromissos sociais.

No mundo contemporâneo, no qual as pessoas são tratadas como coisas e coisas, tratadas como prioridades, uma questão que impacta a família é como o filho será tratado pela sociedade, que, além do preconceito, as pessoas não conhecem a realidade e as necessidades de uma criança com deficiência, muitas vezes se distanciando dela por desconhecimento. Neste sentido, os pais assumem a missão de primeiramente derrubar as barreiras da ignorância.

Este é um processo de luto complexo, um tipo de luto não reconhecido socialmente. Um tipo de perda de difícil aceitação. O diagnóstico é quase sempre uma sentença, uma punição. Logo, a pergunta que não quer calar: – Por que comigo? Por que com minha família? Por que meu filho? Então, os pais são tomados pelo desespero e desesperança. O luto não reconhecido evidencia a total falta de empatia. Em nossa cultura, temos pressa, e os estereótipos nos servem para explicar, já que temos dificuldade de nos comprometer com o que nos exige tempo, elemento fundamental para se criar intimidade. Se eu não me vinculo, não desenvolvo empatia por uma pessoa ou situação. Se eu não me vinculo, não consigo dar um significado à minha experiência.

Ao vivenciar o luto das expectativas e idealizações, os pais passam a enxergar a criança com deficiência como uma pessoa com capacidades, e a cada conquista da criança, uma vitória para os pais. O filho visto como erro passa a ser visto como uma benção.

Além dos cuidados com a criança com deficiência, os pais devem ser cuidados, acolhidos, suportados e respeitados para que possam reorganizar a vida familiar, para que possam se reorganizar como pessoas em seus novos papéis como pais, o que exige lançar mão de todos os recursos internos e externos que possuem, em um processo de construção e reconstrução de si mesmos.

Ter um filho com deficiência pode ser a chave que abre as portas das masmorras em que nos colocamos, pode ser tirar o véu e enxergar além das aparências, pode ser um mergulho profundo no que significa ser essencialmente humano, pode ser a oportunidade de viver o tal amor incondicional.

Há tanta beleza nas variações e ser diferente pode ser uma dádiva!

 

Referências:
FRANCO, Maria Helena Pereira. O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. 1 ed. São Paulo: Summus, 2021.
OLIVEIRA, Marcelo Roberto de. O luto no autismo: visão de um pai. In: Luto por perdas não legitimadas na atualidade. Gabriela Casellato (org.) São Paulo: Summus, 2020.
VENDRUSCULO, Larissa Ester Bartz. A descoberta da deficiência do filho: O luto e a elaboração dos pais. UNIJUI – Departamento de Humanidades e Educação. Rio Grande do Sul, 2014.

Deixe seu Comentário