A Pandemia e Nossos Pequenos Enlutados
PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto
Por Renata Barizon e Samantha Mucci
A Pandemia de Covid-19 (OMS) rompeu com o mundo por nós conhecido, vivenciamos a quebra do mundo presumido (Parkes), gerando insegurança, ansiedade e medo. Passamos por perdas, dores, sentimentos ambíguos. Todos estamos vivenciando um processo de luto coletivo.
Ao perdermos nossos entes queridos para a Covid-19 de forma tão repentina, tivemos pouco tempo ou nenhum para nos despedir. Devido as recomendações de sanitárias não pudemos cuidar de nossos entes como gostaríamos e fazer nossas despedidas como de nossos costumes e crenças. Tivemos que criar novas formas de rituais de despedidas, memoriais online, listas de músicas no spotify, caderno ou álbum de memórias nas redes sociais, missas ou cultos online.
Muitas vezes, experienciamos de forma muito solitária a morte de nossos entes queridos. Vivenciamos sentimentos de culpa, tristeza, pesar, raiva, choramos e perdemos por ora nossa vitalidade. Pudemos compartilhar com poucas pessoas nossa dor da perda e muitas vezes evitamos expressar nossos sentimentos, pois nossas crianças e adolescentes estavam 24 horas conosco. E na tentativa de protege-los da dor, muitas vezes, evitávamos de compartilha-la.
Por sua vez, nossos pequenos enlutados, se apresentavam confusos, perdidos no meio de um turbilhão de dúvidas e emoções, ansiedade e medo, e isolados de seus amigos e professores, sem terem com quem compartilhar as fantasias e questionamentos, o que dificultou ainda mais compreender o que a morte de uma pessoa amada significaria em sua vida.
Para Bromberg (1998) o significado atribuído pela criança à morte dependerá de alguns fatores como a sua idade, o vínculo estabelecido com quem faleceu, o seu desenvolvimento psicológico, bem como dependerá da forma como seu cuidador lida com a morte.
No cenário atual, onde atingimos mais de 595 mil mortos em nosso país. Em artigo recém-publicado no Lancet, estamos com aproximadamente 1,5 milhão de órfãos no mundo e no Brasil, estima-se 120 mil crianças e adolescentes que perderam um de seus cuidadores ou os dois para COVID 19 entre março de 2020 a agosto de 2021. Se levar em consideração que muitas crianças e adolescentes eram cuidadas por seus avós, esse número vai para 150 mil órfãos em nosso país.
Sengik e Ramos (2013) ressaltam que embora a morte do pai ou da mãe provoque um grande sofrimento na criança, há que se falar com a criança sobre essa perda, pois, ao contrário do que se pensa, não aumentará o seu sofrimento, mas sim o amenizará, além de contribuir no processo de elaboração do luto. É muito comum que os adultos ocultem, mintam ou até mesmo usem de eufemismos junto a criança com frases como: “viajou”, “virou estrelinha”. Quando isso ocorre, a criança tende a perceber que existe algo obscuro, pois observa o semblante entristecido das pessoas ao seu redor, as palavras cuidadosamente sussurradas, como se existisse um segredo. Gerando um ambiente de insegurança e falta de confiança nos adultos sobreviventes. Caso a criança perceba, pode deixar de acreditar no adulto e até mesmo deixar de perguntar.
Nesse contexto, segundo Aberastury (1984), a criança sente-se confusa e um sentimento de desesperança toma-lhe conta, pois acredita que já não tem a quem recorrer. No mesmo sentido, Kovacs (2002) afirma que a criança possui uma aguda capacidade de observação e, diante da evitação do adulto em abordar a perda, pode manifestar sintomas, sentindo-se desamparada e entristecida, sem ter com quem conversar. Portanto, o adulto deve responder às perguntas da criança sobre a morte. Abrir espaço para um diálogo sincero, reconhecendo e validando seus sentimentos e o dos pequenos.
É necessário um cuidado e um olhar direcionado à essa população, pois muitos começaram a apresentar sintomas ansiosos, depressivos, ideias de morte, alterações de sono, baixa autoestima, dificuldades de interação social, e até mesmo problemas de aprendizado. Esses sintomas podem alterar, sendo de maior ou menor gravidade, vai depender de como se deu o vínculo que a criança teve com a pessoa que morreu e como ela e a família puderam lidar com o processo de luto. Precisamos estar próximos e disponíveis para conversar com nossos pequenos enlutados de forma sincera e dentro do que trazem de questões e conseguem assimilar de acordo com seu desenvolvimento e idade.