LUTO POR MORTE DE IRMÃOS
PROALU - Programa de Acolhimento ao Luto
Por Ana Lúcia Naletto e Lélia de Cassia Faleiros.
“Ter um irmão é ter, pra sempre, uma infância lembrada com segurança em outro coração.” Tati Bernardi
Se você viveu a morte de um irmão ou de uma irmã, saiba que esta é uma experiência de intenso sofrimento mesmo para aqueles que já não dividiam a mesma casa ou até mesmo para aqueles irmãos que tinham conflitos pessoais.
A perda de um irmão pode impactar uma pessoa de formas diferentes ao longo da vida, mas dificilmente alguém passará por isso sem viver um luto.
Neste texto vamos explicar por que a morte de um irmão, seja na infância seja na juventude ou vida adulta provoca sentimentos de profunda tristeza.
Irmãos são testemunha da mesma história familiar: Mesmo que você não tenha afinidade com seu irmão (ã), vocês partilham de uma memória comum, a memória que conta os fatos da família. Seus irmãos compartilharam momentos de alegria e de tristeza junto com você, passaram dificuldades ou se alegraram com as coisas boas que a família viveu. Perder um irmão é perder parte desse patrimônio, desta história que morre com ele, mesmo permanecendo viva dentro de você.
Amor e raiva fazem parte da relação com os irmãos: Por melhor que tenha sido sua relação com seus irmãos, o nível de intimidade que esta relação convoca é capaz de provocar intensos sentimentos contraditórios, convidando os irmãos a experimentar alegria e raiva, amor e ódio, proteção e ciúme em um mesmo dia. Você pode acordar feliz por ter com quem compartilhar a vida e na hora do almoço ter uma briga ferrenha por um pedaço a mais de torta. Assim, entre “tapas e beijos” costuma ser a relação entre irmãos. Nos momentos de raiva, você pode ter desejado que ele não existisse, que ele não fosse parte da família e isso pode gerar muita culpa para o seu processo de luto. Especialmente no luto das crianças, a culpa por desejar que o irmão não existisse pode fazê-la acreditar que seu desejo foi responsável por aquela morte.
O que orientamos? Tome cuidado para que o “bichinho da culpa” não torne seu luto mais pesado do que ele já é. Aceite que a relação íntima entre duas pessoas que dividem as coisas mais importantes do mundo (os pais, a família e a casa) possa caber diferentes sentimentos e nem por isso, o amor e a cumplicidade por dividirem a mesma história familiar, serão desconsiderados no seu luto.
Seus irmãos são seus semelhantes: O fato de irmãos biológicos compartilharem a mesma herança genética pode ser um fator de preocupação para o seu luto, especialmente se a morte aconteceu por algum problema de saúde. Você pode sentir medo de morrer também por partilharem de genes semelhantes. Caso vocês não sejam irmãos biológicos, mas o sejam por convivência, por adoção ou por parte de um genitor somente, ainda assim irmãos são vistos como um semelhante, como aquele com o qual o você tem muitos pontos de identificação. Esta sensação de identificação, de semelhança, pode despertar o medo da sua própria morte.
Você pode se sentir culpado por ter sobrevivido: “Se somos irmãos e estávamos juntos, por que ele morreu e não eu?” foi a pergunta de uma jovem que perdeu seu irmão em um acidente de carro no qual ela também estava. Ao contrário do medo de morrer, você também pode se sentir culpado por ter sobrevivido, como se não se sentisse autorizado a gozar a sua própria vida, já que o mesmo acidente matou o irmão.
O que orientamos? É importante que você sempre se lembre que não temos todos os controles sobre a vida e morte como gostaríamos de ter, portanto se lhe coube a vida, viva-a por você e pelo irmão que você perdeu. Por ter vivido uma perda de irmão, você pode se apoiar na constatação de que a vida é rara e valiosa, portanto, honre seus momentos.
Irmãos desenvolvem intimidade: Morar na mesma casa, dividir os mesmos pais, a mesma comida, o mesmo espaço físico, os mesmos familiares e frequentar os mesmos eventos durante a infância são poderosos potencializadores de relações intimas. Se você se tornou um adulto que tem pouca intimidade com seu irmão, saiba que nem sempre isso foi assim. A intimidade conquistada na infância costuma permanecer ao longo da vida, portanto a relação com os irmãos costuma ser sem formalidades, são relações nas quais você está o mais próximo possível de ser você mesmo. Perder um irmão é perder uma relação na qual você podia se sentir mais livre e com menos cobranças sociais.
O que orientamos? É importante que você tenha desenvolvido ou venha a desenvolver outras relações intimas com amigos, parceiro amoroso ou parentes porque você sentirá falta de ser você mesmo.
Você pode se sentir esquecido: quando um irmão morre, você pode perder temporariamente um pouco dos pais, que provavelmente estarão consumidos pela tristeza da perda do filho. Pais enlutados não são maus pais, porém eles ficam menos disponíveis, especialmente nos primeiros tempos do luto, tamanha é a dor e sofrimento a que estão submetidos. Neste processo você pode pensar que só havia amor pelo seu irmão, já que sua presença não é suficiente para devolver a alegria de seus pais. É importante saber que nos primeiros tempos de luto, a tristeza pode ofuscar a alegria, por maior que seja a felicidade, mas saiba também que são os vínculos com a vida, com os outros filhos, com o cuidado deles, que muitas vezes funcionam como a mola propulsora da melhora, mesmo que isso não fique evidente para você.
O que orientamos? Se você estiver se sentindo “esquecido”, procure conversar com seus pais sobre seus sentimentos e propor que eles possam ampliar um pouco a convivência com você. Recorra também a parentes por quem você se sente amado, quando seus pais não puderem lhe dar o suporte que você necessita.
Você pode sentir que há pouco espaço para o seu luto: Se você perdeu um irmão, seus pais perderam um filho e, em geral os cuidados maiores da sociedade acabam se voltando mais para o luto dos pais, exceto quando a perda ocorre na infância. Não há como mensurar as dores de perder um filho ou perder um irmão, ambas merecem serem acolhidas, mas de formas distintas, tal como elas são. Aos filhos sobreviventes, pode caber a difícil missão de “cuidar” dos pais em luto, mesmo que eles mesmos estejam feridos internamente. Não é incomum encontrar um adulto que encobriu sua dor e adiou seu luto por anos, para poupar seus pais, já entristecidos pela perda do filho.
O que orientamos? Saiba que seu luto também merece espaço, não tente medir as dores, desqualificando a sua. Aceite seu luto, expresse seus sentimentos e, se necessário, busque ajuda.
Ana e Lélia são psicólogas especialistas em luto e família, fundadoras do Centro Maiêutica de Psicologia e autoras do baralho Ressignificando Perdas e luto, Editora Vetor.